OLHAR SOCIAL SOBRE A PESSOA COM DEFICIÊNCIA: NECESSIDADES URGENTES DE DESCONSTRUÇÕES

Por Carlos Correia Santos  - Educador e Terapeuta

Imagine-se com a capacidade de atrair olhares para você. Isso lhe agrada? Sua resposta talvez seja sim. Imagine-se, porém, com o poder de atrair olhares não tão complacentes, não tão suaves. Olhares densos, olhares impertinentes e, sobretudo, olhares... julgadores. Pessoas com deficiência ou aqueles que com elas  convivem - pais, professores, amigos - sabem que esse parece ser o super poder involuntário desse segmento humano: magnetizar sobre si apreciações visuais. Invariavelmente das mais inapropriadas, impertinentes e inconvenientes.

Precisamos falar sobre isso.

A pergunta é: por que essa necessidade coletiva de esquadrinhamento alheio? Por que essa eterna falta de naturalidade e costume reativo quando se está no meio social em que também se encontram pessoas usuárias de cadeira de rodas, com TEA, Síndrome de Down, cegas, surdas, entre outros casos? Traduzindo em miúdos: por que você precisa desabar olhares quase sempre indelicados sobre pessoas com deficiência?

As respostas são de muitas ordens. A primeira talvez seja a eterna dificuldade humana em lidar com o diverso. Nesse caso, vem de imediato a questão: o que você acha que é diferente de você... é, de fato, diferente de você? Por não se locomover como você se locomove, aquele outro é mesmo distinto da humanidade que você pensa apresentar? O fato de não ouvir os sons do mundo torna o outro diferente de você que não ouve as sutilezas da vida a sua volta? É diferente aquela pessoa que não enxerga? Você vê a existência com real profundidade? Exercícios de auto indagação que precisam ser feitos quando o cerne a ser atingido é a evolução sociorrelacional.   



Outra senha de entendimento para lançamentos de olhares desnecessários sobre a pessoa com deficiência pode ser um fator que também se guarda na mal quista prateleira do inapropriado: tecitura de pena, comiseração. Olha-se para a pessoa com deficiência num disparo de suposta piedade: "pobre criatura é aquela que vive um infortúnio que passa longe de mim". A verdade é que desafortunado pode ser quem assim pensa. Não guarde no fundo de sua pseudo misericórdia olhares mal estruturados para lançá-los no dia a dia sobre outrem. Déficits físicos, cognitivos ou sensoriais são apenas circunstâncias, características humanas. Não selos de reducionismo ou totalização. Ninguém se reduz a uma condição de deficiência - seja ela qual for - e ninguém deve ser totalizado por esse mesmo aspecto. Usar uma cadeira de rodas não diminui nenhum Paulo, Maria ou João. Ter Síndrome de Williams não é a total definição sobre nenhum Joaquim, Patrícia ou Ana. Olhar para o outro com pena é convidar a existência a ter pena da falta de informação e empatia!

Também se inclui no rol das motivações dos olhares inquisidores sobre a pessoa com deficiência o julgamento: "ah, é um espertalhão... olha lá... aproveita-se da deficiência para não lutar na vida". Bem... É preciso, nesses casos, lutar para melhorar o entendimento sobre o humano ser. Limites, barreiras, dificuldades são pressupostos pessoais. O que lhe parece fácil de ser resolvido ou conduzido, para o outro pode não o ser e deve ser assim respeitado. Nosso eu nunca é parâmetro para o comportamento de nenhum outro eu.

Todas essas e muitas outras circunstâncias reativas ou opinativas formam o que chamo de olhar social sobre a pessoa com deficiência. Um olhar lamentavelmente esmagador no mais das vezes. Urge apostar na desconstrução desse parâmetro falso analítico. Urge construir novo entendimento sobre essas práticas de esquadrinhamento.

O peso do olhar social inapropriado sobre pessoas com deficiência causa prejuízos. Incomodados com essa perscrutação impiedosa, muitos pais e mães acabam preferindo manter seus filhos e filhas escondidos no fundo dos quartos escuros onde foram postas as pessoas com deficiência há séculos na evolução sociorrelacional. Constrangidos por essa lamentável ótica inquisidora, familiares de pessoas com déficits sensoriais, cognitivos ou físicos desistem de apostar na sócio estimulação de seus entes e isso é algo extremamente danoso. O comportamento estereotipado de um jovem com TEA, quase sempre, por exemplo, é a busca dele por conforto diante das circunstâncias de polifonia intelectual. Então, cercear a liberdade comportamental desse jovem por conta do peso do olhar social julgador pode representar a manutenção da prisão em angústias.

Portanto, meu conselho, minha sugestão: contenha-se você. Não é a pessoa com deficiência - em quaisquer umas de suas particularidades - que precisa de contenda. É você. Não oprima, não pré-julgue, não imponha padrões de atitude cotidiana. Reconstrua seu entendimento. Ter uma deficiência não representa ter um problema. O problema está em quem atrofia o leve, respeitoso e plural convívio humano.  

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Carlos Correia Santos é Psicopedagogo e Musicoterapeuta, especialista em Educação Inclusiva, especialista em Autismo, especialista em Saúde Mental, especialista em EDucação Musical e Ensino de Artes, Psicanalista em formação, pós-graduando em TGD - Transtornos Globais do Desenvolvimento.

 

 


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