INCLUSÃO: EU QUERO. MAS POR QUE E PARA QUE?

Por Carlos Correia Santos - Educador e Terapeuta

O termo Inclusão chega até você em meio a essa saraivada toda de informações, seduções e convites ao trato social. Sentindo-se no mundo uma pessoa sem deficiência, você pensa: olha só que bacana... vou entrar nessa. Vou ajudar. No calor do intento benfazejo – que, não duvidemos, costuma ser legitimamente benevolente – muitas vezes nos esquecemos de fazer perguntas cruciais: por que e para que quero atuar como agente inclusivo?

Antes de mais nada, entendamos que a chamada Inclusão é o resultado de um processo histórico iniciado nos primórdios das relações humanas comunitárias. A pessoa com deficiência é um ente de reações sociais desde sempre, desde o início das experiências de convívio interpessoal. Nas sociedades primitivas, a prática aceita era a do extermínio.  Constatadas no nascimento deficiências na criança, ela era sacrificada. O momento seguinte foi o do banimento. A criança com deficiência era abandonada à própria sorte em lugares ermos para que as vias do destino se encarregassem de sua sobrevivência ou perecimento. Com o desenvolvimento maior da relação do ser humano com o divino, aboliu-se o sacrifício e o abandono, mas instaurou-se o entendimento do estigma. O recebimento no seio familiar de um ser com deficiência significava um castigo dos deuses. Um selo a ser ocultado. Dá-se, então, a necessidade de esconder, nunca partilhar a presença daquele ente.  A pessoa com deficiência encontra, assim, um lugar cruel em que será posta até épocas muito recentes: o escuro dos quartos dos fundos.

Com o advento da figura de Lázaro, no Cristianismo, outro capítulo se inicia na relação com esse segmento: o conceito de “coitado de Deus”. São criaturas que trazem estigmas, mas precisam da nossa misericórdia, da nossa pena cristã. Essa feição de tratamento – eivada de pseudo piedade – também se mantém praticada até hoje.




Em meio a todo esse processo histórico vai surgir a questão: como educar a pessoa com deficiência? Vemos, desta feita, se abrir o tempo da chamada educação especial. Estigmatizadas, ainda não vistas com o condão do tratamento de fato igualitário, as pessoas com deficiência são agrupadas por condição em instituições específicas. Surdos são agrupados em institutos educacionais de surdos. Cegos em institutos educacionais de cegos. E assim por diante. Permanece, entrementes, o fator excludente. Estão juntos, mas separados do mais social.

Todo esse movimento histórico – aqui tratado de forma muito rudimentar, frise-se – nos trouxe ao que hoje se tem procurado experimentar. A dita Inclusão. Que nada mais é que o esforço para tirar a pessoa com deficiência de todo e qualquer quaro escuro no fundo dos cotidianos. No sentido físico-espacial e metafórico. O fazer inclusivo apregoa que o real avanço nesta causa se dará na prática do convívio plural. Pessoas sem deficiência vivendo situações rotineiras junto com pessoas com deficiência. Não mais escolas ou institutos específicos para surdos ou cegos e demais. E, sim, espaços em que todos estejam interligados. Todos. Salas de aula com aquele que diz ter visão integral e com aquele diagnosticado com baixa visão ou cegueira. Ambientes em que aprendam juntos surdos e ouvintes. Pessoas com síndrome de down ou autismo ao lado de pessoas não diagnosticadas com déficits cognitivos. Uma utopia? Não.Um experimento mais e mais oportunizado. Mais e mais tentado e intentado. Mais e mais instigante.

Então, voltamos às indagações iniciais. OK, quero participar disso. Quero ser inclusivo. Mas por que? E para que? Ponderações sérias se fazem imperiosas. Há um primeiro ponto a ser pensado pela pessoa que se sente sem deficiência e intenta atuar na inclusão: recuar de si. Mergulhar em experiências inclusivas buscando fundamentalmente autobenefícios – sejam de que ordem for –pode ser um passo desastroso. Não entendamos jamais, porém, o compromisso inclusivo como uma ação de vá situar qualquer pessoa num patamar acima no terreno do politicamente correto. Assumir pra si pechas como  “vejam que benfeitor eu sou por estar atuando na inclusão” apenas reforça a imagem da pessoa com deficiência como eterno coitado de Deus. No entanto, não abdicar das necessidades de premiação pessoal, de auto engrandecimento premente, representa uma premissa imensamente nociva. E isso nos leva ao para que. Para que aceitar o convite de atuar na inclusão? Qual a finalidade fundamental de se trazer essa atitude social para si? Analisar o histórico do processo inclusivo pode ajudar nessa resposta. Dar fim a esses eternos quartos escuros, no fundo das residências relacionais mais íntimas, parece ser um “para que” extremante urgente. Querer ser um agente inclusivo para alimentar o nosso próprio  sorriso de satisfação quando nunca ou muito pouco precisamos lutar por respeito no trato social é causa bem menor perto do compromisso de ajudar o outro a ser respeitado. Quando o assunto é inclusão, o porquê e o para que estão no outro.

--------

Carlos Correia Santos é Psicopedagogo e Musicoterapeuta, especialista em Educação Inclusiva, especialista em Autismo, especialista em Saúde Mental, especialista em Educação Musical e Ensino de Artes, Psicanalista em formação, pós-graduando em TGD - Transtornos Globais do Desenvolvimento.

 

 


Comentários