ESSA TRISTE TIRANIA DA ALEGRIA
Por Carlos Correia Santos - Educador e Terapeuta
A frase do maestro João Carlos Martins, dita num programa de TV, no dia 09 de maio de 2013, causou-me incômodo: “mesmo com dor, eu não desisto nunca”. Respeito todo o drama do musicista. Guardo-lhe zelo afetivo por conta das muito difíceis provações pelas quais vem passando, mas... Por quê? Por que não posso desistir quando dói? O que me impede, o que me contém, o que me proíbe?
Uma possível resposta a esses questionamentos precisa ser considerada porque induz a um dos maiores males dos tempos atuais – no meu modesto modo de ver, tenho dito. O problema da “Tirania da Alegria”.
Fácil explicar. Um grande subtexto social - ou mesmo doutrinamento coletivo claro – que nos cerca hoje é: só vale quem ri, quem faz rir, quem de si ri, quem concorda em se permitir vetor de gargalhadas.
As mídias sociais, com seus lamentáveis exemplos de gente fazendo de tudo para fazer todos rirem, e o sucesso dos humoristas do caos e do desrespeito são alguns exemplos cabíveis. Outros tantos, muitos há. Ivete Sangalo, com sua indefectível e quase doentia alegria eterna. A ascensão, a coroação e a glorificação do cinismo. Nunca o deboche foi tão “cult” como no século XXI. E o sarcasmo? O sarcasmo é o novo preto...
Se a Jovem Guarda pirasse as cabecinhas de hoje, o Rei Roberto teria que mudar seu hit. Que é proibido fumar, todo mundo já sabe. Há leis. Há leis até que nos proíbem de falar ao telefone dentro de bancos, quando a violência grita por todo canto. O hit agora precisa ser outro: “É proibido sofrer!”. Outro sucesso do nosso cancioneiro também carece de adaptação. Ensinou o mestre Nelson do Cavaquinho: “Tire o seu bloco do caminho que eu quero passar com a minha dor”. NÃO! JAMAIS! A atualização é: “tire sua dor do caminho que eu quero passar com o meu bloco... Afinal, até abadá eu já comprei!”.
É proibido sofrer, meu povo!
Mas, afinal, o que é se deixar conectar com a dor?
Mergulhar em si mesmo. Despir-se de figurinos belos – recomendados pelos fashionistas de plantão. Assumir o condão da dor significa desnudar-se diante do seu próprio eu e do coletivo, entregar-se, dirigir olhar à sua pateticidade, reconhecer-se frágil e, lá no fundo disso tudo – claro – lutar para emergir. Dar-se ao sofre, portanto, é uma egotrip. Olhar para a própria dor e desistir de lutar contra ela é fundamental para melhorarmos.
O mais é engenharia social. É espetáculo infame da mídia. Como rende audiência a exploração do autoflagelo...
Pensar dói. E um povo que pensa é uma arma incontrolável.
Tristeza e alegria são, por fim, como duas irmãs. Gêmeas. Com diferentes temperamentos. Mas ambas dignas, belas e fundamentais.
E por falar no que é fundamental, eu fico com Vinicius de Moraes: “É melhor ser alegre que ser triste / Alegria é a melhor coisa que existe / É assim como a luz no coração / Mas pra fazer um samba com beleza / É preciso um bocado de tristeza / É preciso um bocado de tristeza / Se não, não se faz um samba, não”.
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Carlos Correia Santos é Psicopedagogo e Musicoterapeuta, especialista em
Educação Inclusiva, especialista em Autismo, especialista em Saúde Mental,
especialista em EDucação Musical e Ensino de Artes, Psicanalista em formação,
pós-graduando em TGD - Transtornos Globais do Desenvolvimento.
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